quarta-feira, 11 de março de 2009

A presença da mãe não deve contar em horas, mas em qualidade.

Entrevista
Mães, esposas, profissionais, mulheres.
"A presença da mãe não deve contar em horas, mas em qualidade"
A tarefa de ser mãe, na atualidade, tornou-se uma entre as várias atividades inseridas em seu mundo. Mãe, esposa, profissional, atualizada, entre outras qualidades que o mundo hoje exige da mulher pós-moderna.
O Portal IEVCA entrevistou as psicólogas, Sheila Skitnevsky e Tania Novinsky, mães e fundadoras do Instituto Mãe Pessoa sobre questões relevantes para as mulheres-mães e suas múltiplas atribuições.

Portal IEVCA - Como a mulher pode ser mãe, esposa, profissional ao mesmo tempo e fazer tudo com excelência?
Mãe Pessoa - Primeiro de tudo, temos que tomar muito cuidado com esta idéia de que “excelência” quer dizer “perfeição”. Desde que o famoso psicanalista Winnicott nos presenteou com a máxima “mãe suficientemente boa”, não há mais razão para pensarmos que ser mãe boa é dar tudo, ser 100% presente o tempo todo, não frustrar, saber e fazer tudo pelos filhos, etc. Muito pelo contrário, ser “mãe suficientemente boa” é saber que há um limite do que podemos oferecer – desde que possamos oferecer uma quantidade e qualidade de relação, de carinho, de cuidado para com nossos filhos, é fundamental também podermos falhar, podermos ter outros interesses além da maternidade, termos outros relacionamentos além dos filhos. A mulher pós-moderna vem sendo pressionada a adicionar funções, sem acomodar os seus papéis anteriores. Antigamente o papel da mulher era ser esposa, ser mãe, e cuidar da casa e da família; hoje, existe uma pressão para que continuemos exercendo todos estes papéis, adicionados à alguma atividade profissional (sem falar na pressão brasileira de estar linda, de cabelos pintados e unhas feitas…). Esta nova condição não é necessariamente boa nem ruim, pois vai depender de como a encararmos: encarar a “possibilidade” de trabalhar como uma liberdade adquirida, compreendendo que liberdade requer escolhas, e escolhas requerem perdas, nos indica que temos sim que ajustar as funções e os papéis da mulher pós-moderna. Mas isso não necessariamente quer dizer piorar, ou perder a excelência; a questão é aprender “como” fazer, fazendo concessões, utilizando a comunidade que nos cerca, delegando, aprendendo o que e a quem delegar. No trabalho, já está mais que provado que mulheres que são mães desenvolvem uma capacidade a mais, de ser “multi-task”, ou seja, de exercer várias funções ao mesmo tempo. Saber aproveitar os talentos e as possibilidades que todas estas funções da mulher pós-moderna nos proporciona é a melhor maneira de “fazer (um pouco de) tudo, com excelência”!
Portal IEVCA - Estas funções podem ser vividas por quaisquer mulheres? Ou existem limitações? Quais são?
Mãe Pessoa - Algumas limitações existem sempre, a depender das condições e situações de cada mulher. Nem todas querem, ou podem gerir filhos, por exemplo. Nem todas têm como ou com quem deixar os filhos, para ir trabalhar. E nem todas tem a opção de escolher se querem ou não trabalhar! Mas limitações todos têm. O importante é conhecer quais as limitações que são verdadeiras, e quais são apenas amarras imaginárias – armadilhas que criamos para nos atrapalhar… No Instituto Mãe Pessoa, criamos o conceito de “vida-bilidade”, que é a possibilidade de explorar os recursos máximos possíveis dentro da realidade de cada um – a viabilidade da vida de cada um! Ou seja, dadas as limitações de cada pessoa e de cada contexto familiar, quais são as oportunidades que podem ser exploradas? Como se pode aproveitar ao máximo a viabilidade da realidade de cada um? Quais as possibilidades e as escolhas que ainda podem ser exploradas em cada caso? Limitações trazem oportunidades novas, mas é importante estarmos abertos para enxergá-las!
Portal IEVCA - Existem mulheres que estudam e trabalham o dia inteiro e deixam seus filhos com babás, ou com a família (principalmente a avó). Eles podem crescer com hábitos e valores diferentes dos seus?
Mãe Pessoa - Certamente. Por isso é fundamental escolher pessoas em quem a mãe (ou família) confie, além de possuírem estilos e valores que combinem com esta família. Quando a relação da mãe com os outros cuidadores é de respeito e confiança; quando há uma comunicação aberta e tolerante entre todas as partes; quando cada qual consegue perceber os limites de seu relacionamento com a criança, delegando o que precisa ser delegado, e permitindo que a criança estabeleça vínculos afetivos com todos, todos saem ganhando! E principalmente as crianças, que desde cedo conseguem reconhecer como são diferentes as relações com os vários adultos, podendo até discriminar quê hábitos, valores e estilos pertencem a cada um. Mas não podemos nos fingir de avestruz, enfiando a cabeça na terra para não olhar: se as relações não estiverem funcionando, se o relacionamento dos cuidadores com a criança, ou com os pais daquela não forem saudáveis ou possíveis, há que se tentar melhorá-los na medida do possível; e se não for possível, há que se pensar em outras alternativas – pois sempre existem outras alternativas, desde que tenhamos a coragem de procurá-las.
Portal IEVCA - Como fazer para isso não acontecer. Como ser mãe com o mínimo de presença? Será que seria necessário jogar tudo para o alto e cuidar de seus filhos?
Mãe Pessoa - Como colocamos antes, é fundamental saber delegar e saber a quem, além de manter um relacionamento saudável, aberto e comunicativo com os cuidadores substitutos. A presença da mãe não se deve contar em horas, mas em qualidade: não basta estar presente, se não se consegue deixar de atender constantemente ao telefone, ou a visitas, ou não se consegue desligar de problemas externos. Claro que tudo isso também faz parte da vida, e a criança precisa aprender a lidar com o fato de que a mãe não existe apenas para serví-la – o que na verdade seria extremamente danoso! Mas então o que se pode fazer é reservar tempo de qualidade para as relações com os filhos, e preservar ao máximo estes momentos especiais. Não tem regra: para alguns, meia hora por dia, para outros muito mais. Também não deve ser uma pressão, pois situações mudam, passamos por fases diferentes, que requerem acomodações diferentes. Como nós psicólogos adoramos dizer, cada caso é mesmo um caso. Para aquelas pessoas que ficam angustiadas demais, talvez seja o caso de pedir ajuda, a amigos e familiares ou ajuda profissional. Aliás, esta é outra característica da pós-modernidade: não basta fazer tudo “perfeito”, acha-se que se têm que fazer tudo “sozinho”. Puro mito! Pedir ajuda é fundamental, num mundo em que às vezes se esquece de que somos seres sociais por natureza, e precisamos da comunidade para sobreviver!
Portal IEVCA - E se já for tarde demais? Agora eles estão adolescentes e estão rebeldes? De repente, você se deu conta de que não cuidou bem deles, o que fazer?
Mãe Pessoa - “Antes tarde do que nunca”, já dizia o ditado… De fato, às vezes leva-se tempo para se perceber, se dar conta. A própria capacidade de “realizar”, de perceber, requer um certo distanciamento, pois é muito difícil enxergar o furacão, quando se está no meio dele. Portanto, nunca é tarde demais! Conversar com os filhos, tentar compartilhar com eles, rebeldes ou não (há adolescentes que não se rebelam?), a sua percepção e análise que agora se faz possível, assumindo as responsabilidades que te parecerem suas, pode ser uma grande lição de vida para os filhos. Mais do que fórmulas certas ou acertos, nossos filhos precisam de verdadeiros modelos de pessoa, modelos reais, que erram e assumem os erros; que sabem perdoar aos outros e a si mesmos; que encaram seus próprios limites como desafios e oportunidades, e não como obstáculos instransponíveis ou sinais de fracasso. A maior realização é perceber que educamos muito mais a partir do que somos, do que a partir do que fazemos.
Portal IEVCA - Que conselhos vocês podem dar as mulheres que ainda não tiveram filhos, mas que querem ter? O que elas podem fazer antecipadamente para garantir ser uma ótima mãe?
Mãe Pessoa - Hoje em dia filho é uma opção. O importante é fazer essa opção bem pensada. Antigamente as mulheres engravidavam sem nenhum planejamento, hoje temos muitos recursos para que a gravidez possa vir quando estamos mais preparadas; ou melhor, menos despreparadas. O importante é a mãe estar preparada para as mudanças físicas, emocionais e até profissionais que a chegada de um filho pode acarretar. Quanto mais você estiver preparada para abrir mão das suas coisas para doar tempo e energia para seu filho, mais confortável você vai estar no seu papel de mãe. A dificuldade vem muitas vezes da mãe não saber como negociar essas duas frentes ( a maternidade e a vida pessoal/profissional) que às vezes podem ser contraditórias. A sociedade criou várias expectativas complicadas para a mulher pós-moderna. Precisa ser uma mãe dedicada, presente, bem informada e uma profissional competente e bem remunerada. É importante entender essa encruzilhada para poder definir quais são as suas prioridades enquanto mãe e enquanto profissional.
Portal IEVCA - E as mães que acabaram de ter um filho inesperado? O que elas podem fazer?
Mãe Pessoa - Por mais que a gente planeja e se prepara, filho tem sempre um pouco do inesperado. A mãe que não planejou a gravidez vai ter um pouco mais de trabalho. O importante nessa hora é poder fazer alguns planejamentos para quando o bebê nascer. A gravidez foi inesperada, mas o nascimento pode ser bem esperado. A mãe vai ter nove meses para se preparar para a chegada do seu filho. As escolhas que ela fizer nesses nove meses de gravidez vão definir um pouco a qualidade de vida que ela vai poder oferecer para seu filho. Escolhas que vão desde a preparação dela enquanto mãe, seu desejo, o espaço na sua vida que ela tem para receber uma criança, até as questões mais práticas como se ela vai casar, se vai tirar licença-maternidade, se ela tem uma comunidade que vai apoiá-la em suas escolhas. A mãe que não planejou não necessariamente vai ser uma mãe menos preparada, às vezes a gente se surpreende com a nossa própria capacidade de lidar com o inesperado. Mas é importante que ela use esses 9 meses para preparar a vida para a chegada de um filho.
Portal IEVCA - O que fazer quando o marido quer atenção?
Mãe Pessoa - A partir dos filhos a dinâmica do casal muda e às vezes o marido resiste mais a essas mudanças. Se ele estava acostumado a ter a mulher só para ele, agora tem que dividir com os filhos também. No começo da maternidade a mãe em geral fica muito ligada no bebê, com pouca disponibilidade para as outras relações. O marido pode se sentir um pouco de fora dessa relação de tanta intimidade e sentir que perdeu a mulher e ainda não conquistou o filho. Mas a tendência é que as coisas se acomodem e o pai eventualmente consegue participar mais da relação com o bebe enquanto a mãe vai conquistando mais espaço para ela. De qualquer forma, esse é um dilema da mulher de hoje; por isso, o relacionamento do casal precisa ser cuidado. Se você optou por ter uma relação na sua vida, precisa dispor um tempo para esta relação também, caso contrário, as relações vão adoecendo. Por isso é importante ouvir os dois lados, da mulher que está muito investida na relação com seu bebe e do marido que quer uma relação com sua mulher. Os dois vão ter que fazer ajustes e serem criativos para que no meio de todas as demandas de um bebe e da vida pós-moderna acharem tempo para ter uma relação adulta de marido e mulher e não só de pai e mãe.
Portal IEVCA - Simulação: Você está no trabalho e liga sua babá dizendo que seu filho está com 40° de febre, é preciso levá-lo ao médico. Mas na semana passada ele teve infecção intestinal e você saiu do trabalho e o levou também. É seu primeiro mês no emprego novo. E agora, o que fazer nessa hora?
Mãe Pessoa - Essa é uma situação muito delicada porque envolve a saúde do seu filho e o seu emprego. Por mais que você confie na sua babá, em geral não faz parte da função dela levar o seu filho ao médico, porque é uma situação de muita responsabilidade (apesar de que depende do tipo de contrato feito com ela).O ideal seria mesmo você levar seu filho ao medico porque se algo sério acontecer com seu filho, é provável que você não consiga se perdoar nunca mais. Mas, se isto não for possível, sempre se pode pensar em outras opções, como: alternar com o pai da criança, de forma que cada vez um falte no trabalho; pedir ajuda outros membros da família que sejam próximos e confiáveis, como avós ou uma tia, que possa levar ou acompanhar a babá. Uma dica: tente pensar nisso antes da situação acontecer, fazendo planos, conversando com pessoas, para que não precise tomar estas decisões importantes num momento de emoção e desespero! Vale a conversa com membros da família, com amigos, e até com o seu chefe, que pode ficar de sobreaviso sobre as especificidades da sua situação. Aliás, tomar providências com calma e racionalidade, demonstrando capacidade de antecipação e planejamento, são qualidades que sem dúvida merecem ser valorizadas no ambiente de trabalho!
:: Por Polianna Gomes
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